Artigo Fernando Valente Pimentel : A insólita transfusão de sangue reversa provocada pelos juros

Fernando Valente Pimentel presidente ABIT
Fernando Valente Pimentel – Presidente ABIT – Foto : divulgação


Fernando Valente Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), avalia em artigo a discrepância entre o crescimento do lucro contábil registrado pelos maiores bancos privados brasileiros e o crescimento da economia nacional, destacando ainda o peso que a alta carga tributária e os juros mais caros exercem sobre a evolução de importantes setores, como a economia.
A insólita transfusão de sangue reversa provocada pelos juros
por Fernando Valente Pimentel
A divulgação do lucro contábil não ajustado dos quatro maiores bancos brasileiros em 2017, fabulosos R$ 57,63 bilhões, num ano no qual a economia apresentou modestíssimo crescimento, repete a histórica distorção da exagerada transferência do capital dos setores produtivos para a área financeira. É algo comparável a uma transfusão de sangue do paciente para uma pessoa saudável, dificultando muito a recuperação. Para que não pairem dúvidas sobre nossa posição, somos absolutamente favoráveis ao lucro. Ademais, um sistema financeiro hígido é condição para a irrigação de crédito e para que as pessoas sintam-se seguras em lhe confiar os recursos que poupam.
A gravidade do desequilíbrio relativo ao volume de dinheiro canalizado ao setor financeiro vem de longa data. O problema mostra-se ainda mais agudo ao constatarmos que, nos 12 meses encerrados em setembro de 2017, o lucro contábil dos quatro grandes bancos no período (R$ 54 bilhões) ficou praticamente empatado com o registrado por 260 companhias abertas não financeiras (R$ 55,3 bilhões). A rentabilidade média das instituições financeiras ficou em 13,9%, contra 4,5% das empresas não financeiras.
Não se trata aqui de uma crítica ideológica aos bancos, mas sim ao modelo perverso que vem limitando o desenvolvimento. Há uma série de causas para os juros elevados: concentração bancária excessiva; insegurança jurídica e dificuldade para recuperação de créditos em default; impostos exagerados; depósitos compulsórios em percentuais muito altos, limitando a capacidade dos bancos de emprestarem recursos; política monetária conservadora; governos gastadores e ineficientes.
Essas e outras considerações, porém, não eliminam as consequências danosas da manutenção de juros elevadíssimos no País por tanto tempo, uma das principais responsáveis pelo baixo crescimento e a intermitência de recessões. O que está sendo feito há anos é a retroalimentação de um círculo vicioso e pernicioso, com a produção de crescente déficit orçamentário e aumento da dívida pública, cujo serviço é sustentado por títulos com juros muito altos, que, por sua vez, aumentam o rombo fiscal.
O governo (e os contribuintes…), as empresas e as famílias sofrem muito com a falta do dinheiro direcionado ao pagamento de juros. São recursos que saem da economia produtiva e alimentam a ciranda financeira. Os efeitos das altas taxas são perversos: só em 2017, o setor público pagou R$ 400,8 bilhões em juros (União, R$ 341 bilhões; estados e municípios, R$ 59,9 bilhões) e as empresas e famílias, R$ 789,9 bilhões, quase o dobro. Nada pode justificar juros acima de 300% ao ano em linhas como a do cheque especial e rotativo do cartão de crédito, como ocorreu em 2017. A prática de juros básicos elevados por tantos anos, além de impactar todas as outras taxas, limita e onera muito os investimentos produtivos, torna insuportável o custeio das empresas, desestimula o consumo, amplia a inadimplência e engessa a economia.
A decisão do Copom de reduzir paulatinamente a Selic, agora em 6,75%, menor taxa desde 1999, é positiva, assim como a agenda BC + voltada à revisão de questões estruturais do Banco Central e do Sistema Financeiro. Ainda assim, temos um dos juros básicos mais elevados do mundo. Além disso, a redução da Selic não chegou com a mesma intensidade às taxas e spreads do sistema financeiro junto aos tomadores finais, principalmente pessoas jurídicas. Caso isso continue ocorrendo, poderá ficar comprometida a expectativa de que o volume de crédito cresça entre 3% e 5% em 2018, o que seria a primeira variação positiva em dois anos.
Os números são inquestionáveis ao apontarem a premência de, paralelamente às reformas estruturais (previdenciária, tributária e política), se reduzirem substancialmente os juros, sem voluntarismos e prestidigitações, pois as altas taxas têm sido letais para a economia produtiva, os investimentos das empresas não financeiras e o mercado de trabalho. Há diagnósticos suficientes e competência adquirida para que se estabeleça uma cruzada pela normalidade das taxas de juros e do crédito. Nesse sentido, muito ajudarão as novas tecnologias, as quais permitirão, provavelmente, maior competição no mercado financeiro e novas formas e maneiras de fazer o crédito chegar ao tomador final.